junho 07, 2011

Quando cheguei a Espanha arranjei trabalho numa loja chique. Quando comecei estava muito entusiasmada porque o trabalho, embora não fosse nenhum grande desafio para o intelecto, pelo menos parecia animado. Não demorou mais de uma semana para perceber que a loja passava mais tempo vazia do que com clientes e por consequência eu passava quase todo o dia sozinha. A loja ocupava dois magníficos apartamentos numa zona cara da cidade e com a falta de clientela a minha chefe passava os dias no rés do chão, onde existia um computador, enquanto eu ficava no primeiro andar à espera que chegasse alguma cliente que tinha marcado hora ou alguma que passasse na rua e tocasse à campainha. As clientes eram poucas, muito poucas e eu ficava encerrada naquele apartamento lindo, mas vazio. A minha chefe era uma pessoa estranha e desde início nunca me senti confortável com ela. Tentava fazer-se de muito minha amiga, perguntando-me coisas da minha vida às quais eu tentava não responder e adorava dar-me abraços como se fôssemos as melhores amigas e eu detestava tanto contacto físico com aquela pessoa que tinha acabado de conhecer. Para além do mais todas estas atitudes dela me soavam a falso e forçado o que aumentava ainda mais o meu desconforto. Para piorar a coisa ainda mais, um dia ela pediu-me que lhe fosse procurar uns papéis e na pilha onde tive de procurar estavam as notas que ela tinha tomado no dia da minha entrevista e o comentário era "not tall, not thin". Pois alta não sou e com esta idade também já não cresço mais, magra também não sou mas ainda não estou em fase de precisar de entrar num programa de televisão para emagrecer. Obviamente o facto de eu não ser nem alta nem magra era para ela um problema, o que ela não contava era que todas as "manequins" que lhe apareceram à entrevista soubessem apenas falar espanhol e como ela precisava de uma pessoa que falasse bem inglês teve de se contentar comigo. Tudo isto a juntar ao facto de ela ser desorganizada, esquecida e de tratar as clientes conforme o seu humor momentâneo tornavam as minhas idas para o trabalho cada vez mais duras. A coisa atingiu um dos seus piores momentos quando um dia eu arrumava caixas numa prateleira alta, a camisola que eu trazia subiu e ela viu que eu tinha uma tatuagem. Olhou para mim com um misto de horror e descrença e disse:"Is that a tattoo?I never thought you were that kind of girl!". Esse tipo de rapariga??? Mas que tipo de rapariga?? O facto de ter uma tatuagem é que diz o tipo de pessoa que sou?? Eu compreendo que há pessoas que não gostam de tatuagens, que não se imaginam a marcar o seu corpo de uma forma definitiva, mas espero que quem não gosta compreenda que há quem goste e quem não se importe de levar estas marcas no corpo até ao dia em que vá desta para melhor. Eu adoro a minha tatuagem e penso fazer mais. Reflecti bastante antes de a fazer e por isso não me arrependo. Apesar de achar que as tatuagens não dizem absolutamente nada do carácter, da personalidade ou do profissionalismo de alguém sei que nem toda a gente pensa assim e foi por isso que decidi que a minha estivesse num sítio que não está normalmente exposto e por isso só na praia é que não está escondida. Mesmo assim tenho de levar com o comentário da imbecil a dizer que nunca pensou que eu fosse esse tipo de rapariga. Fiquei furiosa mas engoli o que me apeteceu responder-lhe porque precisava do trabalho. Aquela insinuação de que eu era ( ou já tinha sido em tempos) uma leviana, drogada, bêbada e promíscua deixou-me doida, como se não houvesse tantos executivos de fato e gravata que passam as noites a dar na coca, mães de família de andam movidas a whisky e vodka e meninas de coro que saltam de colchão em colchão como se o sexo fosse uma competição. Eu sei que muita gente faz juízos de valor quando vê que eu tenho a tatuagem, mas pelo menos que os guardem para si que não me interessa ouvir disparates, porque o que mais me custou foi ela ter-me dito o que pensava e ter olhado para mim como se eu tivesse cometido algum crime. Por isso é que devemos pensar sempre bem antes de abrirmos a nossa boca, evitamos às vezes maçar os outros com opiniões que podemos guardar só para nós.

Mais sobre este tema: http://www.joseluispeixoto.net/24052.html

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